Mundo Agrário

Homenagem a meu irmão Lucílio, que hoje faz 76 anos!
 
Mundo agrário
 
Tinha de terminar a lavagem de roupa, na área que ficava atrás de casa. Concentrada no serviço, Lourdes levantava a camisa branca, ensopada, batia forte na rampa nervurada do tanque, esfregava. As mãos doídas, sentia escorregar nos dedos o sabão, raspava na camisa amarfanhada.
 
Pensava no filho aspirante de marinha. Depois de muito procurar, tinha encontrado. Andava apaixonado por alguém. Só deixara escapar que era bonita, que morava ali mesmo em Cascadura. O sonhador, poeta, se divide no estudo e nos amores. Mas depois que o filho terminara com a Emília, Lourdes não quer saber dos seus namoros: que de tanto ter chorado pela moça, agora é vacinada.
 
E não cansava de tanta formatura, que ainda ia a um baile, hoje à noite. E depois viajar, para o Sul, na outra semana. O jaquetão azul, botões dourados, já pendurado no armário. Os outros uniformes também prontos, só ela que sabia o quanto tempo, quantas horas noturnas despendera.
 
O pensamento da Lourdes sai de casa e desce a rua. Luciano no instituto, dando aulas. É sábado e janeiro, mas tem curso. Revisão de matérias para alunos fracos, pois é curso de férias, mais um, de outros muitos que não param nunca. Tanta coisa a fazer, nem tempo de pensar. O contador que não termina o balanço atrasado, mais um mês. E as contas do caderno que não fecham com o registro do livro?
 
Ouviu bater dez horas no campanário da igreja.
 
Passou pela cabeça a Lucélia, no apartamento pequeno. Um ano e pouco de casada e o menino com três meses. O genro, Hormino, trabalhando na cidade, a filha que ficava o dia todo em casa, com a criança.
 
Juntou a roupa no balde e foi à corda, até o fio de arame, pendurar. Ficou bom tempo estendendo, pensando. Aproveitava essas horas de trabalho para ficar matutando, pondo a cabeça em ordem. Quando chegou às calças do Lucílio, ficou parada, medindo, comparando. Lucílio com quinze, Lucimar com dezoito – pensou. Já vai fazer dezenove. O mais novo andava triste. Não sabia o que era, mas andava. O tempo todo falando em ser agrônomo, lendo o Mundo Agrário pelos cantos.
 
Sacudia um vestido, respingando, espargindo. Os pingos frios da água salpicada lhe molhavam os braços magros. Batia no ar, prendia o pregador, de um lado, esticava, prendia mais um pregador do outro. A Lúcia tem catorze. Magrinha, bonitinha. Ajuda em casa, é mão-na-roda. De todos a mais dura, até com o pai. Dudico anda na rua, pendurado nas pipas. Sobe na casa, no telhado. Vive lá em cima, sem camisa, um perigo. A linha cheia de cerol: se pegar no fio, morre. Não adianta reclamar, que não obedece.
 
Aquele dia passou como os outros, fazendo comida, botando mesa, enchendo de café garrafa térmica, indo à padaria comprar pão. Batendo roupa no tanque, pendurando na corda. O almoço tinha sido aos poucos, um a um, que chegava, sentava, comia e ia embora. Depois chegava outro, a mesma coisa. A tarde toda bicavam no café, no pão recente. Saíam, voltavam.
 
Luciano dá aula. Se distrai olhando pelo basculante, enquanto a turma escreve. Uma dissertação sobre o descobrimento.
 
– Vamos escrever! – dissera. – Cada um, o que sabe.
 
– Você, Antônio Carlos, não fica aí, parado! – comanda, com energia.
 
O menino se concentra, faz o trabalho.
 
O professor se preocupa. São as contas do instituto. Salários com aumento, este mês. E excessos de gratuidade. Todo mundo quer dispensa ou redução. Também, é gente pobre, sem recursos. Conseguira as bolsas do governo, mas o dinheiro era pouco e demorava. E a parte técnica da escola é complicada, secretaria atrasando os relatórios, a Lourdes tesoureira. Não podia fazer tudo, cuidar da casa, das contas e do barzinho. Sai dos seus pensamentos e recolhe os cadernos. Anuncia o próximo tema:
 
– Capitanias hereditárias. Vamos ler – repete, enfático – vamos ler, em casa, o capítulo dois. Segunda-feira, todo mundo aqui às nove. Já conhecendo o assunto.
 
Na saída, é cercado por três ou quatro alunos, que perguntam alguma coisa e ele responde, atencioso. Mas sua preocupação maior é com os relatórios da secretaria.
 
– Viram o Lucílio? – quer saber Luciano.
 
Não tinham visto. Ele tem aula às onze, vai chegar atrasado.
 
Não tem jeito, pensa o menino. Tenho que dizer ao papai. A reprovação no Colégio Militar, no terceiro ginasial, irrevogável. Fiquei em matemática, tirei três na segunda época. As palavras lhe saem pelo hábito, fala aos alunos sobre os rios da Amazônia. Baixinho, troncudo, voz rouca, revela dados sobre extensão e volume d’água, afluentes das duas margens. Fala de terras caídas e de pororoca. Das cidades plantadas à margem do grande rio.
 
– …Santarém, Parintins…
 
– No estado do Pará?…
 
– A ilha de Marajó… búfalos… cerâmica…
 
– Como se diz? – perguntam.
 
– … marajoara…
 
– Lucílio, pode repetir?…
 
Os alunos se interessam, querem saber. Anotam no caderno, seguem com atenção os gestos no ar, as mãos enfáticas, o discurso fluente. Ele vai explicando, parece uma réplica do pai. E uma dor íntima, um segredo guardado. Como vou dizer? Pedir socorro, não dá. Mamãe não pode me ajudar. Não vê saída. Dividido, responde a pergunta que lhe fazem, como se nada estivesse acontecendo.
 
– A cerâmica marajoara, estratificação da cultura indígena…
 
Tudo se passa como em sonho, um sonho mau, pesadelo. Vai falando, falando, solta a voz, os braços. Dentro, o tempo se arrasta. Quer correr e não pode. O corpo, a cabeça, as pernas, tudo pesado, morto. O ar em volta como um líquido viscoso, pespegante. A luz entrando na sala, invadindo os espaços. Uma luz morta, fria. O sol do meio-dia, um sol negro, pesado. O sábado triste, um grito no abismo. A imagem de um punhal lhe passa na cabeça, rompe o véu de luz mortiça nos seus olhos. Uma lâmina fria. E depois, o silêncio.
 
– Terça-feira, às onze. Todo mundo…
 
O professor-menino sente arfar o peito asmático. Cansado, ele sobe a ladeirinha até em casa. Entra na cozinha, pega um copo de café na garrafa sobre a pia.
 
– Vem almoçar, Lucílio. Deixa o café pra depois! – exige a mãe.
 
O pai já fora embora, não está mais à mesa. Ele quase respira, aliviado. Um alívio temporário mas intenso, forte, penetrando a carne toda, da cabeça aos pés.
 
De noite, a mãe viu quando o filho mais velho, envergando o uniforme, foi à festa. E viu quando o Lucílio, cabisbaixo, ficou bom tempo sob o jasmineiro, de pé no meio-muro, segurando a grade. Lúcia escutando rádio, a música baixinho. Cadê Dudico? – pensou. Depois se distraiu, não procurou.
 
Era bem tarde quando vim, cansado, do baile do Carmela, no hotel Glória. Todos dormiam na casa, em silêncio. Entrei pelo lado, devagar, tirei o jaquetão. Ainda peguei um pedaço de carne na cozinha, fui ao banheiro e escovei os dentes. Depois dormi, profundamente.
 
Luciano acordou, era domingo. Foi comprar pão e jornal. Lourdes levantou, pôs água na fervura. No banheiro, lembrava-se de ter visto Lucimar chegando. Lucílio, Lúcia e Dudico ressonavam.
 
O tempo espichando, no mormaço. A tarde toda arrumando a mala grande, com as letras “EN” em preto, desenhadas, de Escola Naval. Lourdes passava as roupas com cuidado, as camisas sociais, a farda mescla, o branco e o cheviot. Em meio às roupas, camisas do Lucílio, em tricoline, e as três calças boas, de tropical inglês. Lembrava-se mais tarde, muitas vezes, quanto tempo ficou, passando o ferro, virando as peças, alinhando vincos.
 
Luciano na área, a rede armada, lia jornais e cochilava. Mais tarde, sentara junto ao rádio, na sequencia dos programas de domingo: os Calouros do Ary e o Nada Além de Dois Minutos. Alguns filhos, por perto, acompanhavam.
Na alta madrugada, a casa dorme. O barulho distante, o relógio da igreja. A noite quente, as janelas fechadas. O barulho do sono, o ronronar suave dos mortais dormindo. O motor da geladeira, solidário. As luzes apagadas, frias. Pelas vidraças embaçadas, a luz mortiça da rua forma sombras nos compartimentos.
Lucílio está desperto. Bem aceso. Olha em volta, examina. Onde escondeu a maletinha preta, em que guarda com zelo os números seguidos do Mundo Agrário? Ainda fica algum tempo imaginando, uma fazenda, plantações, rebanhos. Voa longe, bem longe, no infinito. Seria bom que pudesse, mas, quem sabe? Era bom que existisse essa terra de sonho!
 
Alguém entrou no quarto, ouviu barulho. Ia acordar o marido, mas viu que era o Lucílio.
 
– Que é, meu filho?
 
– Estava procurando alguma coisa, “a senhora viu?” – perguntava e saía, a malinha na mão. Falava baixo, não querendo despertar do sono a casa. Depois a mãe vai tentar reproduzir as palavras, os gestos, as entonações, e armar, peça a peça, o jogo na memória: precisava de um lenço, ao que dizia, porque a vista marejava com um terçol.
 
Pouco depois eu próprio aparecia, de saída.
 
– A bênção!
 
– Deus te faça feliz! – diz minha mãe.
 
Abençoado, parti. A mala grande, pesada, pus no carro de praça. “Ministério da Marinha” – disse ao motorista. E lá fui, para embarcar no cruzador Tamandaré, na primeira viagem de instrução como aspirante.
 
Em pouco tempo amanhecia, a casa despertando, nas réstias de luz entrando à porta, as janelas abrindo, o fogo aceso. Todos tomaram a primeira refeição, café com leite e pão, batata doce. Lúcia pegou a cera, os panos e o escovão e foi para a sala. O pai e a mãe desceram, abriram a escola, se ocuparam. Ele fazendo contas na secretaria, buscando documentos nas gavetas. Ela no barzinho que mantinha, para vender sanduíches e refrescos.
 
Lúcia encera a sala. Mergulha o pano na cera, esfrega o chão. Cinco vezes Lucílio interrompeu. Passava, ia até o quarto de casal. Procurava ser gentil, se desculpava. Por fim, disse à irmã:
 
– É a última vez, eu prometo!
 
Mais tarde, a frase reconstituída soa dramática. Uma despedi-da, um gesto de adeus.
 
Tio Amauri aparecera lá em casa, para visitar, rever a Lourdes. Foi ao instituto, ficou no bar conversando, falando novidades. Depois subiu, entrou pela cozinha, Lucílio estava sentado ao tamborete, tomando um cafezinho. Falou com ele, ensinou um remédio de terçol.
 
– Tiro e queda, fica logo bom!
 
– Vou comprar! – disse o menino, os olhos baixos, tristes.
 
Depois o tio foi embora, a Lúcia dava brilho com o escovão na sala.
 
Uma, duas horas da tarde, todos almoçaram na cozinha. Lourdes perguntou pelo Lucílio. Ninguém sabe. Três horas. Foi à casa da Lucélia, quem sabe ele está lá. Hormino se lembrou. Quando voltava da banca de jornal, descendo a rua, o tinha visto passando, pelas dez. O menino subia, malinha preta na mão. Até estranhou.
 
Alvoroço. Lourdes sai correndo, vai à escola. O marido trabalha. Ela se agita, fala, gesticula. O filho está sumido. Parece que fugiu. Tem vontade de voar, sair atrás. Procura espaço, não encontra. Perde os sentidos. Acorda com alguém dando a cheirar vinagre. Se levanta. Cadê meu filho?
 
A estas horas, bem longe. Que seguia, em trem de ferro, vagaroso, estradas tortuosas.
 
Na Central do Brasil, comprou passagem. O destino é São Paulo, mas, na alma, o desejo é esconder-se no interior. Para entrar na estação usara um truque, fingindo que chamava o pai distante. O guarda ferroviário, distraído, não flagrou o embuste. Perfurou o bilhete. E foi seguindo, sentando-se ao lado de um senhor, puxando assunto. Ganhou-lhe a confiança, conversando, mostrando ter cultura. Procurava um apoio temporário, temendo que viesse a ser pilhado, pelo fiscal, que passava a toda hora e pedia a passagem e conferia.
 
A tensão aumentava, via sombras. A confusão dos sustos, imprevistos. O fiscal que vai chegar, o vizinho de viagem que pergunta. A história que inventou se consolida, diz ao homem que vai buscar futuro, ajudar a família, depois volta. Que a mãe é muito pobre, o pai doente. Consegue vencer medos todo o dia, mas resolve ficar em Caçapava.
 
Tinha pouco dinheiro. Que pegara no armário da mãe, de madrugada. Numa cidade que não conhecia, perdido, só, sem casa, vagabundo. Dormiu por ali mesmo, numa praça, perto da rodoviária. Na verdade, não dormiu. Apenas cochilou. Mais uma vez fingia que esperava. Uma viagem, um alguém, um amanhã. Parecia que todos saberiam, de uma hora para outra, seu estado. Sua fuga, seu destino, sua morte.
 
E tinha seguidos pesadelos. Era o pai que chegava de repente, lhe exigia explicações. Era a mãe se debatendo, se afogando, numa trouxa de roupas ensopadas. Os alunos da escola que gritavam, queriam aula, reclamavam. Ele sufoca, sua frio, se retrai. Encolhe-se, menino, no ventre da mãe terra, virando sobre os panos. Acorda em sobressalto. Parecia que o pai ia chegar. Mas não chega. Era sonho. Apenas sonho.
 
No outro dia, perambula nas ruas, anda sem norte. Busca o lado de fora da cidade. Foi às cinco da tarde, mais ou menos, que avistou a porteira da fazenda.
 
Isso era terça-feira.
 
Em casa, Luciano não perde a esperança. Depois que propagaram a notícia, que o filho tinha fugido, os jornais publicavam, faziam reportagens. A polícia do Rio procurava, as pessoas telefonavam dando pistas. Ele seguia todas, sem descanso. Um colega de colégio do menino afirma tê-lo visto em Magalhães Bastos, na baixada. Saem os dois, de moto, à noite, embrenham-se nos bares e boates. Sem sucesso.
 
Lourdes não para de rezar. E os vizinhos, parentes e amigos. A casa não sossega. Enche de gente a toda hora. Não tem mais almoço, nem dormida. Só o extremo cansaço, a dor da ausência, a incerteza do filho pelo mundo. Notícias picotadas, esparsas, poucas luzes. Somente o túnel áspero e escuro, o sono entrecortado pela madrugada. Vê o filho parado, sob o jasmineiro, a luz intensa do sol que vai chegando, aumentando, doendo. Sente na carne a dor do filho e chora. E grita e se debate, suando, em calafrios. Acorda e vê que não chegou. Agora chora baixinho, suave, em silêncio.
 
Na fazenda, de nome Ribas, Lucílio consegue convencer o proprietário. Precisa de trabalho, é decidido e forte. Tem conhecimento, obtido de leitura sistemática do Mundo Agrário. Certidão de nascimento, quinze anos. Empregam-no na parte burocrática, vai ajudar na escrituração. Uma fazenda produtora de café e leite, plantação e gado em grande escala.
 
Dorme no barracão dos enjeitados, trabalhadores provisórios, sem carteira. Um lugar temporário, de camas toscas, pobres, panos poucos. Ali vai ficar toda uma noite, ouvindo o cantar dos sapos e dos grilos, mergulhado numa intensa nostalgia.
 
Lembra-se de casa, do pai severo, da mãe ardente, vigilante. À distância, imagina o quanto sofrem, carentes de notícias suas. Não consegue dormir profundamente, até que a madrugada vai chegando. Aí é que desaba de cansaço, mas por pouco tempo.
 
A cena foi gravada em sua mente como por ferro em brasa. O bezerrinho sugando, matando a fome. O sôfrego chupar do úbere cheio, as pernas bambas, nervosas, do filhote. Nada mais via. Que a produção do leite, correndo em tubos e recipientes, não podia ofuscar. O bichinho chegando, mergulhando. E os peitos da mãe se oferecendo. Lucílio viu a lágrima rolar, sentiu na alma o peso de estar só. Quis resistir, bancar o homem, mas não deu. Foi quando descobriu que ia voltar.
 
Fugiu de novo. Tomou de novo o trem. Seguiu viagem, fugindo de sua fuga, em desespero. Queria ir a São Paulo ou bem mais longe. Tinha medo de tudo: que o pegassem, que descobrissem a história, que o prendessem. Mas foi em frente e parou numa estação bem grande, de muita gente e movimento. Na estação da Luz, em terra paulistana, quarta-feira, passou o famoso telegrama:
 
– “Voltarei. Lucílio”.
 
Era meio-dia. Tinha fome.
 
Tomou refrigerante e comeu coxinha, comprou cigarro. Ficou pensando o que fazer. E decidiu não cumprir, ainda, o que dizia o telegrama. Guardou o dinheiro dentro do sapato, que o sentia ao andar e não se expunha. Pegou um trem para o sul, seguindo um rumo oposto ao que seu coração pedia. Queria ir para casa, tomar um banho, pedir à mãe que fizesse uma sopa. Imaginava a cena. Delirava. Mas depois entrava em pânico. Como reagiriam? Que diria seu pai?
 
O telegrama chegou na quarta-feira. Grandes esperanças. Lourdes rezava e tentava seguir mantendo a casa, enquanto Luciano agia, procurava o menino. Logo foi a São Paulo, requisitou ao correio o texto original. Que, a essa altura, as chamadas chegavam, mal-intencionadas, brincadeiras, zombarias, trotes. Na estação da Luz, lá estava o rascunho da mensagem. A letra era do filho.
 
A polícia do Rio mobilizada. E agora a de São Paulo. Os jornais publicando, todo dia, informações e pistas. Até o “Repórter Esso”, noticiário da Rádio Nacional, que todos escutavam, fala sobre o caso. E nada. Só o telegrama.
 
Lucílio chega a Blumenau, Santa Catarina. Salta, anda na cidade, mas tem medo. Parece que encontrou, no trem, um santuário. Onde ao menos sobrevive. Por isso retorna. De novo pega a condução ferroviária, tão longe de seus pais, de seus irmãos, de seu quarto.
 
A menina prestava esclarecimentos, falava do telegrama. Já passavam dois dias que ele tinha dito que voltava e não chegara. Fora de casa, na calçada, Lúcia dizia a alguém que a mãe estava doente, que sofria. Luciano estava dentro de casa, sentado na cadeira de balanço, os olhos fixos. Tinha feito o que podia, vasculhado todo canto. Lourdes madornava, esgotada.
 
Uma senhora vizinha foi chegando e dizendo:
 
– Ó Lúcia, Lucílio já chegou?
 
– Não, senhora.
 
– E que é que ele faz lá em cima? – perguntou, apontando, no alto da rua, um vulto que passava sob a luz do poste.
 
Lúcia correu. Era o irmão que regressava.
 
– Calma! – disse ele – quer me ajudar? Segura aí a mala! – e andava em passo firme, forte, decidido.
 
Entrou na sala, como quem chega de um piquenique de fim de semana e exclamou, alegremente:
 
– Estou aqui, pessoal!
 
A mãe desmaiou a primeira vez, trouxeram vinagre. Cada vez que abria os olhos, outra vez desmaiava. Cinco vezes seguidas.
 
O pai veio, olhou o filho como um recém-nascido. Depois lhe disse, com carinho:
 
– Dá um abraço.
 
E ficaram os dois, por muito tempo, abraçados e chorando, copiosamente.
 
Pela reprodução, hoje, 2 de setembro de 2019,
Lucimar.
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